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Capa do Jornal do Brasil de 20 de março de 1964 |
Não foi a primeira vez que
parte da sociedade brasileira pediu intervenção às Forças Armadas.
Obviamente o número de
cidadãos que deseja a volta da Ditadura é inexpressivo e a atual situação política permite que essa ideia seja manifestada sem maiores consequências.
A Democracia brasileira é
estável e até mesmo o PSDB, que em certa medida representa a Direita presente
na Av. Paulista esse sábado, rechaçou os alucinados pedidos de intervenção
militar.
Sorte dos democratas.
O acontecimento despertou
minha curiosidade.
As feridas da Ditadura
continuam abertas na mentalidade brasileira.
É um tema mal resolvido historicamente. Enquanto uns abominam completamente o regime, outros o
exaltam. Essa contradição demonstra como o país não superou os 20 anos de Ditadura.
Falta um consenso histórico
que defina o que realmente aconteceu. Ditaduras como a espanhola, por exemplo,
terminaram e foram varridas de ruas, praças e estradas para sempre.
Depois da morte de Franco,
os espanhóis viraram a página e começaram um país do zero, convocando uma Assembleia
Constituinte Exclusiva, algo que não tivemos com o fim do regime ditatorial.
O Brasil escolheu outro
caminho. A abertura lenta, segura e gradual. Por isso ainda temos espaços
públicos que homenageiam quem merece ser esquecido.
Castelo Branco, Elevado
Costa e Silva são somente dois exemplos que demonstram a dificuldade de
esquecer e avançar.
Cada cidadão vê o regime de
uma forma, então é recomendável escrever sobre o tema em primeira pessoa, pois
minha percepção pode ser diferente da sua, leitor.
A verdade é que os atuais pedidos
de intervenção militar tiveram resultados completamente diferentes que os de
1964, por uma questão de momento histórico.
A manifestação do sábado foi até ridicularizada, o que demonstra a segurança que a sociedade sente no sistema político democrático.
Como esquecer a famosa “Marcha
da Família com Deus pela Liberdade”, que reuniu mais de 500 mil pessoas em São
Paulo e completou meio século no ano passado?
Hoje sabemos que essa manifestação foi apoiada por setores da elite empresarial-militar que queriam a
queda de João Goulart.
A Guerra Fria foi a grande
percussora das Ditaduras na América Latina.
Depois de perder Cuba, os
Estados Unidos simplesmente não poderiam deixar mais territórios de seu
continente nas mãos da URSS, se quisessem vencer a guerra.
Por isso a articulação do
Golpe foi feita com extrema frieza, perfeita logística e com o apoio dos
americanos - detalhe que não aconteceu no século XXI, pois a Casa Branca
recusou os pedidos de Impeachment feitos por brasileiros pela Internet.
Nos anos 60, mídia, empresariado,
americanos e militares fariam de tudo para evitar uma ascensão comunista no
Brasil.
Alguns grupos, como a
Aliança Nacional Libertadora, de Carlos Marigghela, que completou 100 anos em
2011, realmente desejavam uma Revolução do proletariado no Brasil.
Entretanto, a articulação
desse movimento sempre foi muito inferior à contrária, então a possibilidade de um Golpe Comunista era infinitamente menor que de um Militar.
Outro detalhe que não se
repetiu no século XXI foi o apoio da mídia.
Os jornais fizeram
coberturas da manifestação do sábado que geraram perseguições a jornalistas na
Internet, em atos de represália que lembram perfeitamente os tempos de censura
no Brasil.
No passado, por outro lado, vários jornais foram
decisivos ao apoiar a queda de João Goulart – clique aqui para ler o editorial
de O Globo que comemora o Golpe Militar.
Meio século depois, porém, a
mesma Rede Globo aproveitou o contexto das manifestações do ano passado para
declarar que o apoio ao Regime “foi um erro”.
Folha e Estadão nunca se
pronunciaram explicitamente.
Não há dúvidas de que as
empresas jornalísticas conservadoras foram favorecidas durante o Regime
Militar.
Quem tinha “amigos” entre os
militares, como o jornalista Roberto Marinho, facilmente conseguia uma concessão
de televisão ou de rádio.
Por outro lado, os
jornalistas progressistas eram exilados e seus meios de comunicação fechados.
Essa diferença de tratamento
segundo ideologia condicionou completamente a oferta informativa que existe hoje.
Com a saída de jornalistas e
meios de comunicação progressistas, o caminho e o mercado ficaram livres para
os conservadores, que habilmente conseguiram estender seus conglomerados de
mídia formando o oligopólio que atualmente domina a oferta informativa do país.
Independente desses detalhes, como os jornais brasileiros cobriram os pedidos de intervenção do sábado como
algo inesperado e não corriqueiro, temos claro um sinal de avanço na Democracia
do país.
Os problemas democráticos
são resolvidos com mais Democracia, não menos, o que já é um motivo
para comemorar.
É preciso, portanto,
avançar mais. Superar esse período negro que tanto contribuiu para o aumento da desigualdade
social e da corrupção no país.
Ano que vem a Democracia
completa 30 anos.
É a situação perfeita para
criar um consenso entre historiadores, apagar o nome de Ditadores de espaços
públicos e buscar outras formas de eliminar, finalmente, esse fantasma que ainda corrói mentes e
corações dos cidadãos brasileiros.
Uma coisa é a História da Ditadura no Brasil, outra coisa é a História das Percepções sobre a Ditadura e este é um embate que eu pessoalmente já enfrentei. Não adianta argumentar que a ditadura foi ruim para o país, para aqueles que se beneficiaram dela. A questão que mata qualquer discussão é quando entramos no âmbito dos direitos e das arbitrariedades cometidas. Os favoráveis argumentam que só os comunistas sofreram perseguição, os cidadãos de bem não. O problema é que eles desconhecem outras arbitrariedades, como por exemplo as nomeações biônicas para cargos públicos que aparelharam a máquina estatal. A ausência de licitações em obras públicas que criaram fluxos quase infinitos de desvios de verbas e superfaturamentos, a censura dos meios de comunicação (não apenas os de oposição que não foram censurados, mas fechados, como também os da situação que não podiam abordar certos assuntos como corrupção, fraude, abuso de poder, etc).
ResponderExcluirA questão da percepção no debate político (que está mais para embate) não deve ser negligenciada, mas tampouco pautar o tema. A percepção é algo que se modifica de pessoa para pessoa e de tempos em tempos. Para eles, a ditadura foi boa, o Brasil tinha investimentos em infra-estrutura e estabilidade econômica (ao menos durante o ^milagre^). O que importa nesta discussão é a questão dos direitos de todos os cidadãos, que foram solapados, suprimidos e ridicularizados ao ponto de hoje, não sabermos distinguir as diferenças entre um Estado Democrático de Direitos e um Estado Terrorista. Abraços