O Ministério Público opinou pela denúncia contra o SBT pelos comentários de Rachel Sheherazade no caso do menino amarrado em um poste no Rio de Janeiro.
Trata-se de um tema polêmico que envolve Direitos Fundamentais
de partes contrárias.
A liberdade de expressão da jornalista é o argumento a favor
da apresentadora do SBT. A alegação contrária gira em torno dos limites dessa
liberdade.
Esses limites começam quando a comunicação afeta os
Direitos Fudamentais de terceiros – direito à vida, dignidade, privacidade,
honra, etc.
Certo. Considerando que o MP entrou com ação contra as declarações
de Rachel, é possível deduzir que o órgão não vê possibilidade de enquadrar o
caso nos limites da liberdade de expressão.
A questão-chave, portanto, é determinar se as declarações
de Rachel afetaram ou não os direitos de
terceiros.
Para isso, é aconselhável lembrar que o jornalismo tem o
papel de formar a opinião pública.
Não existem dúvidas de que as publicações da imprensa condicionam
o imaginário e as
opiniões da sociedade. Assim sendo, o jornalismo é uma
profissão que envolve enorme responsabilidade.
Entendendo isso, é importante lembrar que as declarações
da jornalista não motivaram as ações dos
justiceiros diretamente, pois ela não convocou a sociedade a atacar
bandidos com paus e pedras.
Mas quando chama o ato dos “justiceiros” de “legítima
defesa coletiva”, a apresentadora transmite a ideia de “legitimidade”. Ou seja,
ao usar essa expressão, a apresentadora diz que os cidadãos podem punir outra
pessoa legitimamente.
Com isso, indiretamente trata de convencer sua audiência de
que essa prática é “compreensível” e consequentemente aceitável. E nenhuma
vingança é legítima ou aceitável em Estados de Direito.
O ataque prévio de um bandido pode ser um forte atenuante
em muitos casos, mas somente em casos específicos será visto como algo que
torna outro crime legítimo.
Portanto, essa expressão argumenta a favor da justiça com
as próprias mãos.
E todo argumento trata de convencer os demais de que “aquilo”
é positivo, correto ou, no mínimo aceitável do ponto de vista moral ou legal.
Dessa forma a jornalista incentiva uma prática violenta.
Esse comentário será escutado por espectadores que vão
pensar por conta própria e formar sua própria opinião sobre o caso.
Alguns irão repudiar as declarações e terão a opinião de
que todos – até os bandidos – merecem julgamentos realizados pela Justiça, que
realmente é o único poder do Estado que realmente pode julgar e punir com verdadeira
legitimidade concedida pelo poder da lei.
Outros irão escutar e concordar com as declarações da jornalista,
acreditando que se trata de uma prática aceitável ou “legítima”.
Possivelmente haverá um momento em que estes cidadãos se
encontrem diante de um suposto criminoso rendido. Nesse instante, irão soltar
sua fúria – reflexo de uma sociedade violenta –, partindo para a agressão
física, que também é crime no Código Penal.
Quando uma declaração produz efeitos que diminuem ou
acabam com os Direitos
Fundamentais de outras pessoas, ultrapassa os limites da
liberdade de expressão.
No mesmo vídeo, Rachel reclama da ineficiência do Estado
em conter a violência e da tentativa de desarmar o cidadão “de bem”. Esses
comentários não afetam os direitos de ninguém e, por isso, entram no âmbito de
proteção da liberdade de expressão.
Mas a jornalista ofereceu argumentos que pretendem transmitir
a ideia de legitimidade para uma prática que também é crime.
É nesse sentido indireto que os comentários de
Sheherazade são ilegais e perdem o amparo da liberdade de expressão.
E é por isso que o Ministério Público pede uma retratação
pública do SBT, sob pena de 500 mil reais por dia.
Segundo notícia do UOL, a emissora deverá dizer que “as
ações dos justiceiros são ilegítimas e que, quando praticadas contra
adolescentes, constituem crime ainda mais grave do que furtos”.
Dessa forma a jornalista poderá retificar a expressão “legítima defesa coletiva”, que incentiva a violência ao oferecer um ponto de vista favorável a práticas completamente inaceitáveis num estado de Direito.
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