Foco na Mídia

Foco na Mídia

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Como a imprensa condiciona nossa visão dos fatos.

O despejo de 250 famílias de um prédio no Centro de São Paulo é um bom exemplo para mostrar como o enfoque da mídia e a própria estrutura da notícia - produto básico do jornalismo na Internet – condicionam a visão que os leitores têm sobre os fatos.

Segundo o enfoque de cada meio de comunicação, o leitor terá uma percepção ou outra sobre o tema. 

Essa questão do enfoque é a principal diferença entre os meios de comunicação corporativos e os independentes – também conhecidos como Grande Imprensa e Imprensa Alternativa

A primeira, que no Brasil tem um enfoque mais conservador, costuma deslegitimizar os movimentos sociais quando não questiona informações policiais e institucionais. O segundo tem a tendência de defender manifestações e manifestantes, criticando a postura da imprensa e uma suposta arbitrariedade dos poderes públicos.

Para exemplificar, selecionei dois titulares sobre a reintegração de posse de hoje. O de cima é da Folha de S. Paulo, tradicional jornal conservador da capital paulista. O segundo é do Spresso SP, um jornal digital com preferências políticas alinhadas à esquerda.

Os titulares se parecem, mas algumas palavras-chave distorcem completamente o entendimento que o leitor tem dos fatos.

Titulares da Folha de S. Paulo (acima) e do jornal Spresso SP (abaixo)

 O titular da Folha destaca o “confronto”, o “pânico” e os saques  que aconteceram no centro da cidade. Cita as 70 prisões, mas não entram em mais detalhes sobre ela, o que mantém o destaque nos conflitos.

Por outro lado, o Spresso SP destaca somente as prisões da Polícia: mulheres grávidas, crianças e idosos. Cidadãos perigosos (ironia) que ficaram horas sem água nem comida.

Quem ler a notícia da Folha provavelmente acreditará que a culpa da confusão é dos sem-teto.

Quem ler a notícia do Spresso SP vai se indignar com a Polícia. Concordam?

Que tal uma olhada nos comentários das notícias para checar essa ideia:

 
Comentários da publicação da Folha de S. Paulo no Facebook.

Comentários da publicação do Spresso SP no Facebook

Perceberam as gigantescas diferenças entre os comentários das páginas? A forma de cobrir os fatos criam esse tipo de limitação de opinião. Acreditamos somente no ponto de vista que gostamos e, dessa forma, eliminamos os demais, o que limita nossa capacidade de compreensão da realidade.

Além disso, é impossível determinar com absoluta certeza se a postura de cada jornal atrai esse público ou se as próprias publicações criam essa opinião nos leitores. Isso porque, no fundo, é um pouco de cada. Os leitores simpatizantes de um jornal se mantém fiéis ao mesmo enquanto o meio de comunicação condiciona sua visão do mundo através de enfoques predeterminados.

Ou seja, publicando notícias do mesmo tema sempre com o mesmo enfoque, o jornal influencia no modo que a pessoa vê o tema tratado. Como a Folha costuma destacar as confusões e os conflitos das manifestações, seus leitores tendem a ver os mesmos culpando os manifestantes.

Como o Spresso SP costuma publicar os fatos supondo que a culpa dos conflitos é da Polícia, seus leitores tendem a acreditar que a Polícia é a criminosa.

A realidade é muito mais complexa e não “cabe” no formato da notícia jornalística, por isso os enfoques das mesmas tende a destacar um ou outro ponto de vista.

Seria necessário contextualizar e explicar os antecedentes dos acontecimentos para uma maior compreensão. Mas isso levaria muito tempo, coisa que não existe na produção de notícias.

Então a contextualização dos fatos é responsabilidade de reportagens, editoriais e outros gêneros mais subjetivos, enquanto a notícia se mantém somente no que aconteceu.

Imagine um jornal televisivo transmitindo notícias que explicam todo contexto dos fatos. Teria notícias de 5 minutos ou mais – uma notícia grande normalmente não passa de 3 minutos – e teria que aumentar seu tempo de transmissão.

É um problema que as pessoas devem compreender para não cair no erro de acreditar completamente e cegamente em tudo que leem.

A notícia jornalística

Esse gênero jornalístico é um dos mais simples e rápidos do jornalismo. Um pequeno texto publicado por alguém já vira notícia. Deve ser objetiva, de interesse público e precisa responder às seis perguntas: o que aconteceu, com quem aconteceu, quando aconteceu, onde aconteceu, como aconteceu e por que aconteceu.

Dessas seis perguntas, somente UMA corresponde ao contexto dos fatos: o “por que” aconteceu. Dependendo do assunto tratado, essa pergunta fica esquecida nas últimas linhas, enquanto as primeiras buscam responder as demais.

Com isso, as pessoas ignoram os motivos que causaram o fato tratado. Dou um exemplo. Nenhuma notícia sobre esse despejo de hoje buscou entender o que leva uma família a ocupar um prédio.
Isso porque elas pretendem contar somente o ocorrido, destacando o que considera mais importante. 

Dessa forma "esquecem" um contexto extremamente importante para a real compreensão do ocorrido e as pessoas acabam assimilando somente os fatos destacados nos jornais que leem.

E é então que acontece a famosa “manipulação”. As pessoas que não questionam as informações e não buscam contextos ou outros pontos de vista simplesmente assimilam o que a notícia diz. Aceitam e incorporam o ponto de vista que conhecem acreditando ser o correto.

Como um juiz pode julgar um caso conhecendo somente um lado dos fatos? Seria um julgamento justo?

Dependendo do jornal que lê, o leitor vai avaliar condutas e posturas dos atores envolvidos e, com isso, acabará culpando a Polícia ou os manifestantes, sendo que não existe um culpado exclusivo.

O que sim existe é um contexto enorme por trás de cada ocupação. Desde famílias que perderam a casa por inadimplência até o Policial que detesta qualquer manifestação e parte para a agressividade sem considerar que está batendo num ser humano.

A notícia simplesmente não consegue englobar todos essas histórias. Por isso ela se mantém no que aconteceu e oferece um relato parcial ao leitor.

É complicado dizer se isso é ético ou não... É simplesmente um gênero jornalístico com certos limites, como todos outros.

Nenhuma notícia pode ser tão ampla a ponto de englobar todos pontos de vista. Por isso é extremamente importante ler diferentes meios de comunicação.

Somente conhecendo diferentes pontos de vista podemos ampliar nosso conhecimento sobre os fatos.

Hoje não teremos reportagens longas sobre a necessidade de Reforma Agrária ou sobre as ocupações ilegais dos sem-teto. Os conflitos e as imagens registradas no centro de São Paulo foram chocantes demais para esse tipo de cobertura. Então os jornais focam neles.

É dever do jornalista conhecer os contextos dos fatos, mas eles simplesmente não podem colocá-lo dentro de uma limitada notícia de Internet. Não entra nesse gênero e por isso os fatos são tratados de forma parcial. Nesse caso não podemos falar de manipulação de má-fé. 

Porém, é importante ter esse conhecimento na hora de consumir os “produtos” dos jornais. É a melhor forma de não limitar nosso conhecimento ao que eles dizem. Além disso, trata-se de uma ótima maneira de criar consciência crítica nos cidadãos, algo que está em falta na sociedade brasileira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário